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terça-feira, junho 12, 2007

the assassination of Jesse James (excerto)

Peço a todos que atentem no potencial cinematográfico deste pequeno excerto daquele que é já, para mim, o melhor livro da segunda metade do século XX, retratando a vida do maior americano de sempre("os americanos escolhem quase sempre os seus heróis entre a classe criminal" - Oscar Wilde)

Dick Liddil selou a sua égua baia às sete horas da noite seguinte e cavalgou lentamente para sul, tão mal de estômago que decidiu experimentar uma das prescrições de Jesse, engolindo tártaro com sal e goma-arábica empoada. Ao cruzar os terrenos dos Hite, deixou-se tomar pelo pânico; fez a sua égua rodar sobre si própria mais do que uma vez, vigiando, amedrontado, os bosques envolvidos pelas trevas, saltando da sela a cada crepitar das folhas de Outono, apontando a sua Navy Colt aos guaxinins que brincavam no rio. As árvores gemiam e suspiravam ao sabor do vento que as beijava; as plantas moviam-se, sussurrando com o cuidado dos que choram os defuntos à luz trémula das velas; e Dick inventava fantasmas, assustado como um homem sozinho no seu quarto que vê o puxador do armário a mover-se e a porta a abrir-se com toda a lentidão.
Atravessou um prado e seguiu montado na sua égua até às margens do afluente, onde ela chapinhou na água, que mal lhe dava pelas coroas dos cascos. O aido era uma espécie degenerada de celeiro; as gamelas dos porcos eram cobertas por um telhado e o resto não passava de um lamaçal cercado por uma vedação de tabuinhas muito mal construída. Dick fez ranger a sua sela, leu o mostrador do seu relógio de bolso com a ajuda de um fósforo e olhou em volta à procura de Sarah.
Desceu da égua e deixou-a procurar algumas folhas para comer, enquanto ele caminhava na direcção do cume do monte.
Os porcos grunhiam, roncavam e saltavam uns para cima dos outros, tentando chegar primeiro à comida. As ervas curvavam-se com a ventania e todos os receios se reagrupavam para voltar a atormentá-lo. Os porcos continuavam a fazer barulho, todos amontoados, até que se ouviu um som como o de páginas a serem arrancadas de um livro e os porcos puseram-se a guinchar em volta de uma fêmea que devorava, egoísta, qualquer coisa imperceptível, afastando-se calmamente do canto. Dick inclinou-se sobre a vedação da pocilga, que nem um campónio ignorante, e perguntou, “Mas que raio estão estas bestas a comer?”
Então, Dick viu um pé e um tornozelo a dançar, enquanto os porcos brigavam e chafurdavam em cima de um casaco de lã coberto de lama. Um calafrio monumental varreu todo o seu corpo, sentiu picadas na pele e a sua visão ficou turva com a água, enquanto fustigava os porcos nos jarretes com o chapéu. Estes fugiram à toa, chiando e resfolegando, mas sempre com os focinhos colados à terra. Ficou só uma porca, puxando por um tendão e, consequentemente, arrastando todo o corpo, mas Dick enterrou um balázio na lama e a porca debandou, assustada, para junto dos outros.
O casaco de lã estava todo enroscado, num dos lados, e um dos braços estava torcido por debaixo das costas do homem, enquanto o outro estava apoiado na tábua inferior da vedação. Dick conseguia ver que a pele nos nós dos dedos era castanha, mas essa era a única pista de que se tratava de John Tabor, já que quase toda a sua garganta e a cara tinham sido comidas, restando apenas o vermelho vivo dos tendões, ripas de músculos e cartilagens, além dos ossos do crânio, polidos pelo sangue.